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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

De um trago só



 
Fazía-lhe um relógio na barriga, um calor redondo que a dilatava por dentro em dourado e a subía devagar até ao rosto coroando-a. Fechou os olhos devagar, as mãos no abandono do pouco traje e os pés enterrados na areia fresca ao fundo, quente junto aos tornozelos.
[Que posso eu no mundo se o mundo nem sabe de mim, achará o mar que o incomodo se o pisar e pedir desculpa como costumam fazer-me, não me veêm, atropelam-me na passagem dos dias e seguem o caminho sem me olhar arrastando uma palavra automática, desculpe]
Abriu os olhos e avançou lenta, os salpicos frios da água a mordiscarem a areia no final da rebentação arrepiaram-na, outras ondas encaracolavam-se brancas ao alto e mais atrás como latidos aflitos que afugentam intrusos, ela agachou-se.
[Não posso esconder-me do que não alcançam, chutarem-me para longe como vosso estorvo se nem sabem onde estou. Houve um tempo que pedi que me vissem. Parei, gritei e exigi que me olhassem mas não havia ninguém ao redor para esbarrar em mim. Então achei que era eu que não vos vía]
A onda forte estalou como um trovão e cheia de força esticou uma língua salgada que a chicoteou nos artelhos, galgou joelhos, costas, molhou-lhe o rosto. Levou os dedos à boca.
[Lágrimas]
Ergueu-se. Olhou o mar gigante na sua frente, verde, azul, ao longe debruado a cinzento, avançou a passos largos, sorriu, mergulhou e de um só golo bebeu o choro que nunca havia vertido.
 
 
 
 

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