Chegou o fósforo ao pavio. Um halo amareleceu ao redor, carantonha grotesca dum rosto mal alumiado e nariz torcido no odor acre da cabeça incendiada.
Suspirou profundamente. A chama deitou-se, mas resistente voltou a endireitar-se e ainda se afiou mais.
Traçou os braços sobre a mesa, o queixo apoiado forçando os lábios dilatados. Ficou a olhar a vela consumir-se, lenta, gotejante, grumos escorrendo até ao pé fortalecendo a base. Coçou a barba, um ruído de serrilha sobre papel lembrou-lhe das queixas dela, a abrasão sobre as bochechas, o arranhar no ventre, a vermelhidão esfolada entre coxas.
Fechou os olhos.
Mas mesmo assim sentía a luz que embora tão frágil lhe acendía a boca dela, amas-me, e ele não dizía nada, dava-lhe a mão, beijava-lhe a palma da mão e fechava-a guardada na sua. E guardava-lhe os sabores, todos, os do pescoço, os do cabelo molhado, os das covas dos braços pela Primavera, amas-me, e ele não dizía nada, encaixava o queixo dela nos seus olhos e fazía força. Ficou-lhe também o gosto, o da pele, o das palavras jorradas como leite fresco, o das mãos nas suas costas a arrepanharem tudo para dentro dela e a selar, amas-me, e ele não dizia nada, pegava-lhe ao colo e soprava de mansinho no nariz dela.
Abriu os olhos.
A vela, torta, carcomida pelo fogo de um lado alargara-se na base. Calcou com o dedo, notou-lhe a marca das suas impressões digitais.
Amas-me, um bocadinho só, assim, pequenino que caiba no meu coração? um bocadinho? Sim? Por favor?
Molhou os dedos na saliva e apertou o pavio.
22 comentários:
Olá boa noite
Bonita prosa com belas caracteristicas de indecisão.
Amizade
LUIS 14
Lindo texto!
Obrigas-nos a seguir as tuas palavras com avidez, na ânsia de saber o que acontece no segundo seguinte...
Gostei imenso.
Beijinhos
Mariazita
Estou deliciada. Li e reli.
Talvez mais logo saiba o amor onde cabe.
GAS
GRANDE RIQUEZA DE PORMENORES, MOSTRANDO QUE COM AS PALAVRAS SE PODEM PINTAR QUADROS COM A TINTA DOS SENTIMENTOS!
CREIO QUE ELE A AMAVA... MAS A VIDA CONTEM EM SI UMA RÉSTEA DE DÚVIDAS E DESCOMPROMISSOS QUE PODEM EXTINGUIR A CHAMA DA SINCERIDADE... COMO ELE EXTINGUIU A CHAMA DA VELA.
NÃO ESTOU PREGADA ÀS ELEIÇÓES AMERICANAS... PARA MIM, GANHEM GREGOS OU TROIANOS, O GRANDE SENHOR DO MUNDO CONTINUARÁ A SER... MR. MONEY!
UM BEIJO DECIDIDO :)
Gas,
lembranças?!!
Dúvidas?!!
às vezes escreves como alguém que conheço, que tenho que ler três vezes para decifrar:-)
Isso é bom sinal para ti!!!
Ou então estou a ficar burra :-)
lol
jito,
Sony
*gosto de ti um bocadinho e cabe no meu coração:-)
boa tarde
bela historia
na falta de...
basta um pedacinho.
saude
ps: sorte dos que se amam sem reservas. se assim nao for vamos tristes pro jazigo :)
Um belo texto.
gostava de ser um daqueles senhores críticos com um ar muito intelectual, que sabem dizer coisas muito bonitas sobre o que está escrito (mas que por vezes não tem nada a ver com o que o autor queria dizer. mas não sou.
mas merecias que dissesse coisas lindas sobre o que escreveste. mas não sei.
só sei que gostei
pronto, está bem.
...eu sei...
o apagar da vela como quem deixa de questionar?
Luís XIV,
Aqui não indecisão.
Há silêncio. Falado. Nem sempre o que se diz com som é o mais verdadeiro e sentido.
Fica bem
Mariazita,
Obrigado.
Prosa sensível... a várias leituras.
Um beijo
Anamar,
(Gosto do nome...)
Muito obrigado.
Fico contente por gostares.
Tchi,
Ele sabe, o amor.
Há pessoas que o precisam de dizer e escutar. Há outras que precisam de o sentir e respeitá-lo na mutez.
ASPÁSIA,
CLARO QUE A AMAVA.
APENAS A FORMA COMO LHO DIZÍA ERA DIFERENTE.
SABES UMA COISA?
JÁ NÃO AGUENTO OUVIR FALAR DO OBAMA!
E TENS TODA A RAZÃO. ASSIM COMO OS PINK FLOYD.
BEIJOS E ABRAÇOS, FORTES!
Sony,
Ai, ai... já me vieram dizer que ando a escrever muito dificil... achas?
Lembranças sim. De um tempo em que a pergunta se fazía e ele respondía com gestos silenciosos.
Dúvidas? Não, de todo.
mas quando a "leitura" do amor se faz só num sentido, geralmente a vela apaga-se.
Pois eu gosto eu de ti um bocadão e cabes perfeitamente no meu coração (olha! rimei?!)
Beijos Formiguinha
Observatory,
Faltou um "sim" falado.
Um pormenor que fez toda a diferença.
Concordo em absoluto com o teu Post Scriptum, haja contentes por aí!
Rui Caetano,
Visita nova na Árvore.
E vens de uma terra cheia delas, lindas.
Muito obrigado.
Tri,
Não quero saber desses senhores intelectuais. Nem do que eles dizem.
Quero saber do que me dizes, do que me disseste e que mereço.
E ainda bem que sabes.
E ainda bem que gostaste.
Um beijo grande.
Teresa,
O apagar da vela como quem termina uma história.
Se ela ficou porque ele lhe disse sim, ou se ela se foi porque ele apenas lhe disse sim com o olhar...
A cada um de achar o seu final.
eu leio um reviver do passado guardado na chama de uma vela. podemos reacender e apagar assim sentires? duvido, mas seria bom, penso...
Lindíssimo!
beijo que podes ver na próxima chama
que observares :)
marisa
Marisa,
Poder até podemos.
O coração prega partidas dessas. Mas é tão fugaz quanto a chama soprada no suspiro.
O teu sorriso está gravado. Não em chamas, mas cá dentro, junto com os abraços e os beijos.
Sempre luminoso.
Enviar um comentário