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domingo, 21 de setembro de 2008

Os estranhos

Fez-lhe um gesto com o braço dando-lhe a primazia de passagem. Carregaram à vez nos botões marcando o piso onde sairíam. Ela ficou próximo da porta, ele encostado ao aço que revestía as paredes do elevador. Ela subía com o olhar os andares a passarem devagar. Ele subía com o olhar os saltos finos e a linha preta das meias que desaparecía sob a saia travada.



Um solavanco. O elevador estacou. Depois desceu um pouco com um salto. Rangeu. Imóvel.



Ela carregou várias vezes no botão do andar onde quería saír. Ele aproximou-se. Repetiu o gesto dela para o número que marcava a saída dele. Ela carregou na saída. Depois rápido e quase furiosa calcou todos os números. Ele carregou no botão vermelho e o alarme gritou. Ela olhou para o homem, ele olhou-a confiante da sua acção. Silêncio. Ela encostou o dedo no alarme e carregou com força prolongando o som fino de campaínha.



O elevador deu mais um soluço. Eles recuaram e encostaram-se aos cantos. Depois parou. Eles olharam-se. Aproximaram-se da porta e em uníssono gritaram socorro, bateram com as palmas com força no aço ressoando um som metálico frio. Silêncio.



Ele acocorou-se num canto, é esperar, disse. Ela olhou-o e sussurrou, ninguém sabe que estamos aqui fechados. Alguém há-de vir, acalmou-a, mas quando, perguntou ela, não deve demorar, não se enerve, não gosto de espaços fechados, claustrofobia, não, não, mas não gosto.



Alarme. Silêncio. Alarme, alarme, alarme, a campainha perdeu a força e pareceu soar como um besouro cansado.



E agora? Esperemos, melhor sentar-se, não quero. Silêncio.



Ela escorregou pela parede lisa de aço, deitou as pernas de lado, os saltos a afiarem-se no tapete que cobría o fundo do elevador. Pousou uma mão sobre as pernas vestidas de negro. Costuma vir aqui, não, é a 1ª vez, eu também, vinha por causa de uma entrevista, ah, pois. Está abafado, sim, é normal, espero que apareça alguém antes de ficarmos sem ar, ora isso não há-de acontecer, acha, acho, já não sei, estamos aqui há muito tempo, nem tanto, apenas 10m, só? Parece uma eternidade, pois, acontece quando nos tiram a liberdade, quando nos prendem contra vontade, como sabe, já esteve preso, não, é uma forma de dizer, que comparação, mas é a realidade, você está presa, se não estivesse tinha ido à sua vida, mas não é o mesmo, acaba por ser, você é sempre assim, assim como, teimoso, só com mulheres claustrofóbicas, não seja estupido, está a perder a pose, você conhece-me de algum lado para me dizer isso, tirei-lhe a pinta assim que entrámos no elevador, o quê, topei-a logo com essas meias com esse risco atrás muito direito, deve ter a mania que é boa, você é um tarado, se calhar sou e até sou capaz de a comer, aos pedacinhos, bocadinho a bocadinho...



Ela levantou-se e gritou desesperadamente, deu murros na porta, carregou todos os botões.



Não seja patética, se a quisesse atacar já o tería feito, foi você que parou o elevador não foi, fez de propósito, sim, sim, o que quiser. Sente-se, poupe-se, poupe-nos o ar.



Ela enrolou-se ao canto, tapou o rosto com ambas mãos e chorou aos soluços. Vá lá, não fique assim, daqui a nada tiram-nos daqui, deixe-me. Escondeu a face entre os joelhos e fungou. Ele aproximou-se dela e pôs-lhe a mão sobre o ombro, depois sobre os cabelos, ela sossegou, levantou a cara, a maquilhagem deslizava em fios negros até pingar pelo queixo. Ele puxou do seu lenço e enxugou-lhe as lágrimas, depois molhou uma ponta na sua saliva e limpou-lhe os borrões à volta dos olhos. Ela saltou-lhe para o pescoço e abraçou-o irrompendo de novo no choro. Ele apertou-a. Depois embalou-a ao de leve, ciciou-lhe palavras de conforto, estou aqui, estou aqui.



A luz desapareceu por completo, depois alumiou-se muito viva, o elevador disparou na sua corrida piso acima, eles apartaram-se, ela mais chegada à saída, ele encostado nas paredes de aço.



As portas descerraram-se lentamente e ele ficou a ver afastarem-se um par de pernas com uma linha negra que desaparecía sob uma saia travada.




2ª participação no Elevador

10 comentários:

crise disse...

ah... ... ... .. .

Ema Pires disse...

Outro texto magnífico, aliás como todos os que escreves. Quando estou fora venho muitas vezes para ler postagens antigas. Tens um imenso talento que eu admiro muito.
Beijinhos

pront'habitar disse...

gostei do teu elevador.

fiquei com vontade de escrever um e escrevi.

queres ir ver?

Francisco Medina disse...

Grande texto Parabéns!
Bj

Gasolina disse...

Tri,

Gostei dessa falta de ar...

eheheheh

Um beijo grande

Gasolina disse...

Ema,

Minha Amiga de Fogo que sempre está comigo.
A ver se na tua próxima viagem nos conseguimos encontrar olhos nos olhos.

Muito obrigado pelo teu carinho.

Um abraço especial com um beijo

PS: Fiquei preocupada com as noticias, espero que esteja tudo certo contigo e com Spock.

Besos

Gasolina disse...

Pront'habitar,

Ainda bem que gostaste.
E que te levou a escrever um.

Quero ver sim.

Gasolina disse...

Xico,

Quanta honra Man!

Muito obrigado!

Beijo para ti

Vicktor Reis disse...

Querida Gasolina
Magnífico texto com desde há muito nos habituaste. Tão realista que dá vontade de viajar de elevador contigo. Tão imaginativo que ultrapassa a verdade das "coisas" e faz-nos percorrer os caminhos da ficção.
Um beijinho.

Gasolina disse...

Victor,

Muito Obrigado.

Mas acho que ficar comigo num elevador "emperrado" acaba por enervar qualquer um. É que não me aflijo, não grito, não fico sem ar. Tantas vezes já me encontrei nesta situação que creio que aprendi, simplesmente, a esperar.
Mesmo que a saída se faça de cócoras...

Um beijo imenso Querido Victor