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domingo, 20 de março de 2016

Entre cantos



Ao canto, amontoado, e num relance que tive de repetir para confirmar que era porque achei que a vontade prega partidas e à força de tanto se querer e de tanta saudade, vê-se, dimensiona-se palpável o que não está.
No ângulo das duas paredes e ajeitado num tufo, um montinho de pêlo do Gaspar.
Segurei com tanto cuidado que deixei cair, receei que voasse e o perdesse da vista, agarrei-o na concha das mãos e fechei-as como um ovo.
 
Sobre a cómoda, o lenço branco de bolinhas negras esquecido do uso do dia anterior, engelhado entre a caixa de sândalo e uma ponta desmaiada.
 
Sentei-me na beira da cama.
 
Lembrei-me quando entrei em casa de meu Pai depois da sua partida e me marcou a imagem dos chinelos, o direito sobreposto na diagonal pisando o esquerdo, como largados na pressa para a troca pelos sapatos, achava ele que passada a hora do almoço regressaria, os pés de novo no conforto dos velhos chinelos, não voltou.
 
Abri as mãos e o tufo branco de pêlo aninhado na cova da pele arrancou-me um suspiro. Talvez dois. Talvez um grito que a contenção não me deixou ecoar nas paredes e vibrar tudo o que não consigo explicar, tudo o que me morreu, o que me foi. O lenço branco de bolinhas negras não me pareceu afinal, desarrumado. Apenas desesperadamente solitário como o pedacinho de pêlo achado do Gaspar, eu à espera de regressar. 

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