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segunda-feira, 27 de abril de 2015

Portas & Janelas - Esboço nº 17



 
O gato era a isca, eu o ingénuo que caiu na armadilha. Um engodo tão bem disfarçado, mas tão bem disfarçado que nem ninguém suspeitaría. Porque estava à vista de todos, era simples, natural que qualquer um se encantasse pelo que visse, um gato pachorrento a dormitar no parapeito de uma janela encantadora de cortininhas de renda à moda antiga, recordações da casa da avó, quem haveria de resistir, ninguém, muito menos eu deambulante de câmara em punho preparado para os instantâneos de um amador de fim-de-semana. Soubera eu e tinha mudado de passeio, de rua, fechado os olhos...
O gato era o íman e as minhas mãos esticaram-se para o tocar, mas mal me aproximei as cortinas deslizaram por dentro e metade do rosto de uma mulher apareceu. A outra metade, encoberta pelo rendilhado deixava o mistério de querer saber e aguçava a vontade de pedir para abrir as janelas, entrar, aflorar-lhe a face, passar-lhe os dedos nos lábios e silenciar o que parecia eminente num grito ou pedido de ajuda. Eu estava ali para a salvar.
Se eu adivinhasse que quem precisava de salvação era eu...
O gato deu um salto e desapareceu.
A mão da mulher espalmou-se no vidro. As linhas da vida eram tão nítidas como se nada nos separasse, perfeitamente visíveis, tocáveis, um ligeiro embaciado a desenhar uma auréola ao redor do contorno...  Encostei a minha mão à dela, do lado de fora, fechei os olhos, não sei quanto tempo estive assim. Quando os abri já não estava, bati nos vidros, insisti, procurei a porta e chamei, veio uma senhora idosa que não soube de quem eu falava.
Tirei uma fotografia para a minha colecção e quando a revelei o gato dormitava no parapeito da janela.
 
 
 
 

(in Portas & Janelas, Junho-2014)

Todas as fotografias da Colecção Portas & Janelas são da autoria de Eduardo Jorge Silva

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