Há muitos anos, muitos, estava em Espanha neste dia 15 de Agosto. O sol roía a cabeça, os ombros, a vontade de falar, não havía sombra que aliviasse a pressão do peito de tanto calor que fazía. Como era feriado a maioria dos estabelecimentos encontravam-se fechados e a tentiva de fuga para onde houvesse ar condicionado era infrutífera. Viajava em grupo e onde quer que encostassemos, os olhos pedíam silêncio e dormitavamos de imediato, só articulando a palavra água para passar as poucas garrafas entre mãos, até se terem esgostado por completo. Discutimos, mas até isso sem muito ânimo, caindo num amuo enjoado que durou até vir o vermelho do final do dia. Quando voltamos a Portugal rimos, troçámos da nossa figura, fizemos um belo jantar, voltamos a viajar.
Passado este tempo, nenhuma dessas pessoas está comigo.
Um deles, um artista plástico admirável que desenhou a animação de um sumo que por aí se comercializa, vive sózinho num palacete, entre um mundo de fantasmas e outras alucinações, fala com o imaginário mas foge dos de carne e osso.
A rapariga morena de traços indios vejo-a frequentemente. Mora no fim da minha rua. Interpelei-a por duas vezes e por duas vezes voltou as costas e quase correu. Não insisti. Não sei o que se terá passado. Decerto não terá sido aquele 15 de Agosto. Nem outros dos anos seguintes que estivemos juntos. Deixou de me incomodar, apenas me habituei à dor.
E um outro que viajava com o grupo. Barulhento, estrondoso, de largas gargalhadas, sempre a cantar. Como se quisesse ocupar um espaço imenso no universo. Não o verei mais. Partiu silencioso durante o sono. Tranquilo, disseram-me. Era o meu irmão.
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