Os calcanhares íam batendo a ritmo incerto no muro alto, era bom sentir a aragem nos tornozelos e na curva das pernas, os joelhos quentes do Sol que baixava devagar, até os olhos se feríam menos na claridade rosada e dos sons a passarada ensurdecía pelo regresso aos ninhos nas árvores.
Depois, eles os dois.
Sem conversa.
A boca estava ocupada a cravar-se na casca das laranjas e a ponta da lingua a esfuracar no miolo doce e sumarento enchía-lhes a mente sem pensarem noutra coisa. Depois disputaram a lonjura a que conseguíam cuspir as cascas e isso tornou-se o mais importante. Quando já não havía cascas lançaram seixos.
O Sol escondeu-se, pularam para chão firme, meteram as mãos aos bolsos, apalparam o tamanho do sexo pequeno e um deles a fisga, o outro o canivete de cabo de osso.
Ao longe veio um grito de mulher que trazía um nome, a passarada esvoaçou das árvores.
Correram em caminhos opostos.
Ele nunca soube explicar porque pintara o muro a branco-cal nem tão pouco a importância de cortar a aguarela a meio entre pássaros parados no céu e cascas de laranja junto ao limite da folha.
(in Telas, C.G. - Março/2005)
18 comentários:
Querida Gasolina
Magnífico este escrito que explica muita da inspiração que tantas vezes se desconhece claramente a origem.
Beijinhos.
Fantástico, g. ficou-me a visão de um esplêndido sol da cor das laranjas!
De cascas de laranja somos
muito rara e brevemente sumo de cal, na casa com os pássaros parados. Como o tempo?
Beijo bom fim de semana, Gasolina!
Victor,
Se eu conseguisse fazer uma aguarela com palavras...
Obrigado.
Um abraço apertado Querido Victor!
Abssinto,
Sol de fim de tarde, perto da hora do lobo.
Comer laranjas e não pensar em nada.
Beijos A.
Arabica,
Como o sonho.
Ou os olhos parados no sabor de uma laranja sumarenta e doce. Como deve ser a vida.
Bom Domingo, beijos
Olá
O tempo dita um momento de paragem ou acelaramento de uma imaginação fugaz.
Amizade
LUIS 14
Luís XIV,
...Ou o contrário.
O tempo medido pelas paragens para ver ou o sonho veloz a consumir as horas.
Cada vez acho que é mesmo mais isto.
Fica bem
E a vontade com que se fica de estar lá... cuspindo cascas de laranja?!
Muito bom!
Abreijos
*
uma verdadeira,
arvore das palavras,
,
conchinhas de silabas, deixo,
,
*
Lindo! Musical e sensorial...
fins de tarde. sem preocupações, por enquanto, que a idade é pouca, e outro dia virá e outros dias virão. e a vida ainda é bela...
as coisas doces são por vezes inexplicáveis
beijos
Samuel,
Tomo as tuas palavras envaidecida. É gratificante saber que através de palavras se pintam imagens.
Abreijos!
PoetaEuSou,
Obrigado pelas tuas águas, pelo sal, pelas conchas e pelo voo das gaivotas.
BEI/de MARÉ
Laura,
Rabiscos de outros tempos, outras sonoridades, outras cores.
Beijo, beijo
Tri,
Tudo isso.
Com tempo.
Com sentidos usados como sentidos bárbaros e verdadeiros.
Beijo grande
Pin,
Pois são.
E temos o péssimo hábito de querer arranjar explicação para tudo.
Não basta por que é assim e nada mais?!
Um beijo a ti L.
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