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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O dedo


 
 
Agarrava-se compulsivamente e babando-se deleitado não largava, mesmo que pela mão o puxassem, o tentassem distraír com a roca, a guloseima, nada lhe tirava o prazer de sofregamente chuchar o indicador, já mirrado, encolhido e deformado pelo esconderijo quente e molhado do orifício bocal.

De quando em vez, uma palmada, não se aponta que é feio, mas olha lá, lá as nuvens, lá os bichos, lá os papões que esperam o tombar da noite para se deitarem comigo, por baixo da cama à espera que saias para me deitarem as mãos, ali mesmo ao alto perto do arco-íris, o que é o arco-íris, e nada lhe tirava a teima do indicador espetado sempre pronto a furar com perguntas.

Foi na ponta do dedo que descobriu a pele, rugosa nalguns sítios, cheia de histórias e de temperaturas e de reacções e desde então nunca mais perdeu o hábito de tocar fascinado o mapa que as linhas muito juntas da derme lhe contavam e lhe pedíam. Apaixonou-se.

O dedo calejado dedilhava de olhos fechados as cordas do seu temperamento, chorava o violino sobre pautas invencíveis em tempo e compassos de cabeça levemente caída amparando as emoções nos dígitos arqueados.

Torto e enfermo ganhou um pequeno monte de carne empurrada pelo vício da caneta aprumada ao papel aberto a lembranças de quando era menino, chuchava muito recorda-se e ainda se lembra do sabor do dedo na boca tão igual ao prazer da tinta azul-china a manchar-lhe o indicador.

Fecharam-lhe os olhos, não sabe quem, mas viu distintamente um dedo na sua direcção, apontando-o como lhe havíam proibido.
 


Escrito e publicado originalmente no extinto Blog Uma casa na árvore, 01.02.2009
 

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