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quarta-feira, 15 de abril de 2015

Estranhos



 
Olhou-a nos olhos e disse:
- Quanto mais próximo mais fundo.
 
Rachara-se o céu e sem começo de manso, a água tombara logo violenta e fria pondo todos a correr para um longe difícil de encontrar pela surpresa do instante e pelo susto do barulho com que viera. Ela fugiu também, levada pelas pernas de outros ou pelo mesmo instinto ou pelo mesmo descompasso que lhe acelerou o coração ou desorientações no ruído súbito do trovão, chuva, gritos e desconhecidos a que se juntou. Estava no meio de estranhos, tão próximo deles que lhes sentía o calor da pele. Uma pele com cheiro húmido. E quente. Um toldo de gentes estranhas separadas por uma cortina de água, dois mundos, três mundos: a pele quentes dos estranhos, ela e o lado de fora feito de água.
Mesmo que quisesse saír encontrava-se no miolo daquele ovo de carne humana e não quería ser notada, já lhe chegava o quente do cheiro húmido deles, decerto o dela chegava aos nariz deles também.
O céu rachou-se de novo, mas em azul aliviado. Um e outro mais corajosos enfiaram a cabeça e furaram a cortina de água menos densa e partiram. Outros também. Sem licença da passagem empurraram-na pelos ombros e pelas costas, perdeu o equilíbrio, as mãos no chão defenderam a queda. Metade do corpo com cheiro de pele quente e húmido, outro tanto no mundo da cortina de água.
Os espelhos no chão, deformados pela chuva pingada olhavam-na nos olhos.
Viu uma estranha.

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