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domingo, 15 de setembro de 2013

Um pouco de Truffaut



 
Entrou e sentou-se. Pernas de viés, saia travada. Um corropio de gente a esta hora, nenhum empregado a prestar-me atenção e eu só preciso de um olhar para lhe fazer sinal para um café, nem é preciso abeirar-se de mim, basta um relance, entretenho a minha transparência nas letras. Veste-se de vermelho-sangue, acende um cigarro, vem o empregado e admoesta, não é permitido fumar. Peço o meu café. Continuo: Tem longas pestanas negras, suponho que postiças, que intimidaram o empregado e o puseram ao largo pelo bafo soprado. Toda a gente a observa e comenta, creio que vão chamar a gerência para a pôr fora. Talvez agora o café me seja servido. Dirige-me um sorriso, correspondo, é bonita, pergunta-me o que escrevo, se sou escritora, rio, traço algumas linhas a ver se tenho sorte. Passa o empregado e ameaça com o peso da multa caso não apague o cigarro. Meto-me, traga-me um café e a senhora não fuma mais, sorrimos as duas.
Delicio-me.
Um fio de fumo fino ainda persistente azula trémulo com a passagem das gentes.
A mulher de saia travada ergue-se como uma papoila. 
Segreda-me que apenas veio para ganhar uma aposta com uma amiga sobre fumar um cigarro em pleno Domingo num café cheio de gente, nada mais. E eu?
Isto. E aponto a chávena vazia. Ela aponta os papéis. Pode ler. Senta-se. Agradece. Nunca ninguém escreveu sobre mim, diz em tom baixo.
 
 

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