Do Viegas enchía a boca, imitava-o, pa-ra-fra-sea-va-O, manuseava os dedinhos em pianos invisiveis e até afinava os lábios como se fosse soltar um assobio inaudível, uma paragem inesperada no Dantas sabido de cor ou o trejeito marialva de bolsos invisiveis num roupão florido enquanto dava ordens à Lina despachada.
Do Viegas sabía tudo, apaixonadamente conhecedor de uma arte inconfundível no ouvido apurado dos discos de vinil - É o Viegas, é o Viegas PÁ! - e todos acenavam que sim, que tinha acertado e pedíam-lhe que o imitasse, desgrenhado na rala cabeleira, os olhos muito abertos, a audiência suspensa enquanto ele se baralhava por não saber o que recitar.
Do Viegas via-se ao espelho, mimicas do dia seguinte à ida ao teatro, ensaiava, tapava a orelha esquerda para se ouvir parecido ou a direita para a projecção de voz ampliada pelo dedo apontado.
Do Viegas deu vivas ao Rei e ao Presidente, recolheu assinaturas e brindou sigiloso quando a eleição não saiu e manteve o seu herói perto da arte que lhe gostava de beber.
Depois o Viegas morreu, ele não foi ao funeral, arranjou um gato zarolho que se aconchegava nos livros de poesia e dormitava ao som das palavras vi-vas.
1 comentário:
Neste teu personagem revi um amigo que idolatra o Viegas...mas que eu saiba não tem gato... Tenho eu :)
Beijo
BF
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