Não há crianças na minha rua. Não se vêem, não se ouvem, nem um lamento, um pedido insistente à mãe, o choro do castigo. Não há jogos desenhados na calçada nem uma bola esquecida à hora do lanche.
No prédio ouço passos que querem parecer ausentes, só a escada velha os trai, pequenos rangeres de degraus comidos pelo bicho da madeira e pelo tempo desgastado em manterem escondidos todos os habitantes.
Ouve-se o silêncio.
Respira-se o silêncio.
Perco-me no silêncio que me estala como as escadas. Talvez esteja só, a envelhecer como elas, como a parede de tijolos que avisto da pequena janela do saguão. Talvez já tenham existido crianças e cresceram e envelheceram desde que deixei o meu mar e agora ocupam-se como os outros moradores a permanecerem solitários nos seus gritos abafados de dor por terem perdido a meninice no tempo em que muda a maré.
Tão pouco a Lua tem força para se descobrir e alumiar caminhos, caras, tamanhos de gente grande e gente miúda que me faríam renascer a esperança, clarear este quarto velho de velhas passagens, tantas solidões parelha de mim.
Talvez tivessem largado o mar como eu, o veneno de se perder os olhos para além do que se vê e se cobiça como uma criança perante um doce.
Mar doce, mar doce...
Aqui não há crianças e há menos uma mulher.
No prédio ouço passos que querem parecer ausentes, só a escada velha os trai, pequenos rangeres de degraus comidos pelo bicho da madeira e pelo tempo desgastado em manterem escondidos todos os habitantes.
Ouve-se o silêncio.
Respira-se o silêncio.
Perco-me no silêncio que me estala como as escadas. Talvez esteja só, a envelhecer como elas, como a parede de tijolos que avisto da pequena janela do saguão. Talvez já tenham existido crianças e cresceram e envelheceram desde que deixei o meu mar e agora ocupam-se como os outros moradores a permanecerem solitários nos seus gritos abafados de dor por terem perdido a meninice no tempo em que muda a maré.
Tão pouco a Lua tem força para se descobrir e alumiar caminhos, caras, tamanhos de gente grande e gente miúda que me faríam renascer a esperança, clarear este quarto velho de velhas passagens, tantas solidões parelha de mim.
Talvez tivessem largado o mar como eu, o veneno de se perder os olhos para além do que se vê e se cobiça como uma criança perante um doce.
Mar doce, mar doce...
Aqui não há crianças e há menos uma mulher.
(in Cartas ao mar - Agosto/2008)
8 comentários:
Um dos seus mais belos textos, se não o mais. É mar e é doce.
Obrigada, Gasolina.
Querida Gasolina
O mar, o teu mar, o nosso mar sempre presente mesmo nos momentos mais dolorosos, especialmente nesse...
Um dia, tal como acontecerá ao velho marinheiro, aproximar-te-ás da espuma branca do rebentar das ondas e serás mar tu também.
Beijinho.
Esse vazio que se perde no tempo e nos toma as mãos…
Vazias a apanhar o mar para encostar ao horizonte…
O verdadeiro rubro das palavras…
Gatinha mto bonita…
Imenso beijinho
como é pena certos adultos perderem o seu lado infantil...
gostei muito de te ler
abraço, gas
luísa
sem esperança.
triste.
mas muito bonito.
um beijo
*
meninas do mar
são todas as crianças,
são todas as mulheres,
era . . . a minha santa avó.
,
marés de simpatia, envio-te,
,
*
Rostos, almas e ruas a envelhecerem de mãos dadas.
E o mar, tão longe.
Como uma memória.
Que dói.
"Quem fui?"
senti a falta do riso das crianças da tua rua. Lindo
BF
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