
Mas nesse dia lá estava ele, talvez parido pela mata, a cabeça levemente tombada, o olhar guarnecido pela aba do chapéu.
Miraram-se no silêncio. Ele agachou-se e pousou a mão ao de leve sobre o carril e murmurou-lhe "vem aí". Ela olhou-o, a boca semi-aberta da surpresa deixou pender um fio de saliva, fino, quente, ela envergonhada limpou-se às costas da mão.
"Está mesmo aí" insistiu ele. E sem dar tempo para mais admiração descobriu-se, fez girar o chapéu em direcção a ela e deitou-se entre as linhas paralelas. Ela deixou o chapéu escapar-se, olhou a curva e viu o combóio a aguçar-se veloz para atingir a recta oferecida, apitando alegre, o fumo cinza a encher de desenhos o céu azul.
Paralisou-lhe o corpo, o pensar, o mundo. O combóio acelerou e cortou as duas metades do monte de terra e de cascalho, faúlhas chisparam-lhe junto aos pés, deixou de vê-lo, imaginava-o separado, o combóio fora-se, um soco no estômago que a fazía dobrar-se.
Ajoelhou-se sobre a linha e queimou-se, um vinco negro sobre as canelas que a fizeram dar um salto atrás. Gatinhou até ao sitio onde ele se deitara mas ninguém lá estava, nem vestigio de ferimento, algum pedaço amputado.
Só um malmequer amarelo, mal arrancado, sobre uma tábua carcomida pelo tempo.
4 comentários:
Final inesperado e por demais bonito...Eu já estava preparado para o pior:)
bj
Abssinto,
AH!
Que grande nota me acabas de dar!!!
Inesperado!
Boa!
Obrigado!
Beijo, beijo!
Que magnífico.
Fiquei completamente preso a este poema. Maravilha.
Deixas-me fazer-te uma grande vénia?
Beijinho
http://cartassemvalor.blogspot.com/
Charlie,
Olá, quanto tempo.
Obrigado pelas tuas palavras.
Claro que deixo! :~D
Beijinhos.
PS.: Obrigado pelo endereço
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