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terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O pinheiro - Um conto de Natal

Ela escolhía com precisão o sitio onde colocar os pés, evitando aqueles montes de lama e o que parecía à luz dos faróis da velha camioneta espelhos de forma irregular que mais não eram do que poças de água da chuva que nos últimos dias se abatera pela cidade. Ele vagueava no terreiro por entre pinheiros fantasmagóricos, mãos nos bolsos, despreocupado, a ponta do cachecol ondulando ao sabor do vento frio de Dezembro. Olhava e voltava a olhar e não se conseguía decidir por pinheiro algum: todos lhe parecíam demasiado grandes ou anões. Ela acercou-se dele e no seu olhar a mesma indecisão.

O velho lenhador guardando o dinheiro amarfanhado junto à rodilha do lenço sujo aproximou-se deles e gritou como que a cantar "então freguesa?"

Mas a freguesa torcía o nariz e nenhum pinheiro lhe enchía as medidas. E o lenhador na sua ladaínha de sedução sufocava pelo tronco pinheiros farfalhudos, passando as mãos grossas e calejadas pelas agulhas, deslizando-as como cabeleiras fartas, comentando que aquele era o melhor sitio onde podía comprar a sua árvore de natal.

E desgarrada dos outros pinheiros lá estava uma arvorezinha delgada, quase raquitica de ramagem, uma única pinha pendurada... Ele olhou para a mulher e os dois tiveram a certeza que aquela era a única que poderíam levar para casa e enfeitar junto à lareira.

Perguntaram pelo preço mas o lenhador riu-se e disse-lhes que aquela era "ruim e desfigurada, torta e nada bonita". Eles insistiram e o lenhador farto da venda e do frio apenas soprou "ofereço-lha!".

O homem agarrou o pinheirinho pelo tronco magro e sentiu a mão a queimar. Surpreso, abriu a palma e viu que estava manchada de resina. Acalmou-se, nada comentou com a mulher que seguía à sua frente.

Chegaram a casa e levaram a árvore para a sala, junto à lareira, plantando-a num enorme cabaz repleto de terra. Trouxeram os enfeites e as luzes. Mas a árvore tinha crescido e crescido e agora, para espanto deles, erguía-se esbelta e altiva naqule verde profundo e fresco, roçando o tecto da casa. Eles apenas olhavam e silenciosos deram as mãos num receio que aquela magia desaparecesse.

Ela reparou no tronco: vigoroso, mostrava uma mancha cor de mel, um âmbar que gotejava, desenhando uma marca cravada fundo naquela madeira loira.

Abraçados, aproximaram-se do pinheiro elegante e conseguiram com toda a nitidez ver um coração tatuado, os bordos enfeitados de resina brilhante e odorífera.

Recordaram então um tempo de namoro em que ambos se tinham prometido para todo o sempre, um coração desenhado numa árvore qualquer, dois nomes inscritos, um amor a crescer conforme o pinheiro subisse em direcção ao infinito azul.

14 comentários:

pentelho real disse...

bela história de amor.

tenho uma lá no meu país, não tão bonita...

papagueno disse...

Tão linda esta história!!!
Bjkas

Ema Pires disse...

Querida amiga de fogo,
Há muito que nao vinha pelo meu blogue, por estar fora e nao ter tempo para nada. Estou outra vez em casae vou começar outra vez a pôr alguma postagem e uma música linda.
Vejo que regressas-te e fico mesmo feliz. Os teus escritos, como sempre sao uma maravilha, fazem sonhar.
Muitos beijinhos

poetaeusou . . . disse...

*
brilhante e odorífera
,
como o amor
*
xi
*

Mateso disse...

O coração do pinheiro ou o coração no pinheiro?
Não importa quem nem qual, o que importa é o pulsar, e como pulsa,no calor do amor!
Súbtil este teu conto.
Como gostei.

Feliz Natal!
Beijo

Eme disse...

Ia descortinando o fim à medida que lia. Tinha de ser. O pinheiro deles. Regressou talvez encarnado noutro para lhes lembrar de uma certa promessa. Terno é o teu coração Gas.


Um beijo

Gasolina disse...

Pentelho Real,

Obrigado pelas tuas palavras.
Mas tu tens gravuras mais bonitas que as minhas...
É o equilibrio, acho.

Gasolina disse...

Papagueno,

Obrigado.

Talvez um pouco fora dos convencionalismos natalicios...

Um beijo forte

Gasolina disse...

Ema de Fogo,

Minha mui querida Amiga.
Que grande prazer e felicidade de te saber de volta!

Beijinhos, muitos!

Gasolina disse...

POetaEuSou,

O brilho do amor enfeita qualquer pinheiro tão melhor que muitas bolas coloridas.

BEI/De MARÉ

Gasolina disse...

Mateso,

Há na força das árvores uma intemporalidade e serenidade que eu gostaría fosse igual ao amor.
...porém só nas histórias de encantar.

Um beijo para ti, Azul Mateso

Gasolina disse...

M.,

Ai!
Fui assim tão óbvia?! (risos)

:~D

Obrigado pelo teu olhar tão sincero, aprecio-o deveras.

Um beijo

Abssinto disse...

O Amor. A nostalgia.

Gasolina disse...

Abssinto,

Sim. E outra vez Sim. Mas também a consagração, a fortaleza inabalável de quando se sabe a quem se ama.